27.2.09


Para quem estuda, como quem sorve sôfrega, a obra de Bachelard ... este tipo de imagem diz muito, diz tudo...

Estes são os momentos da matéria... que devemos fazer perdurar e contemplar, serenamente!

26.2.09

Em dez dias de ausência subi a duna de Salir por 3 vezes consecutivas e, ao descer, rebolei em vez de andar... e perdi o chão e o horizonte em 3 tempos...

e fui respirar verde, fotografar o desconexo e os poros das coisas todas

e corri sobre os torrões de lama

e deixei-me picar por melgas

Em dez dias de ausência cheirei, com vontade, a maresia e dancei a dança das ondas pequenas...

e fui ver, ao pormenor, as carcaças dos barcos em repouso

e as algas

e um cogumelo que pontuou a mata perto da lagoa

Em dez dias... a minha homenagem ao forjador... sem uma lágrima ... como lhe prometi!!!

E regresso sonolenta e feliz!!!

Em dez dias de ausência...



Estilhaços

16.2.09




Atravessa o tempo num murmúrio
fura as mais perfeitas nuvens
repousa nelas a tua habilidade
molda-as como o fazias com a matéria mais renitente

Atravessa esse espaço ilimitado
e vem contar-nos
de quando em vez
dessa branca viajem

Atravessa, atmosférico, todo o infinito
agora que te muniste de asas
e o peso do corpo deixaste

Atravessa-o com a mesma energia
e humor
com que atravessaste a vida

e vem, de quando em vez, contar-nos quantas coisas bonitas tens feito por aí, com esse outro barro, inconsistente, que se te oferece às sábias mãos.


Passos brancos, inaudíveis, a caminhar comigo todos os destinos possíveis.
Tu.
Tu que te despedes, de forma pouco cerimonial, porque reconheces não existir despedidas senão temporárias.
Tu, razão de sangue de tudo o que temos produzido enquanto teus descendentes.
Tu, mãos de ferro forjado, memória de coleccionador, a assobiar fados inteiros pelas entranhas do teu bairro.
Tu, da terra, dos tenros espargos, de um pedaço de leitão pelas 6 da manhã, do toque da campainha da tua bicicleta por volta do meio-dia, das colossais melancias em tempo quente, do vinho morangueiro, das tardes longas à lareira debaixo do teu silêncio.
Tu!!!

9.2.09

...
E enquanto do lado de lá uiva o vento gelado, deste...
a simpática coloração da abóbora, o cru sabor da batata, o intenso cheiro do alho, o lacrimejar pela cebola...
espinafres, cogumelos selvagens, massa de ovo, uma mistura de cevada...
alfabeto das segundas-feiras tardias
...

Cristina Branco em Redondo Vocábulo...
No espaço amplo da sala, agora vazia, estendem-se sombras cinzas
A sua destreza vocal inventa apontamentos brancos no soalho
e o frio, suportável, segreda arrepios ao corpo.

No espaço vazio da sala, com o seu soalho a abarrotar de recordações de outros dias,
está inscrita a letra, disforme de tão apetecível, de outra nova melodia que me chega ao ouvido menos surdo - O Meu Amor (originalmente de Caetano Veloso. Que bem que este Brasil usufrui do amor!).

O meu amor tem pele cor de café com leite de cheiro a inverno e um peito amplo onde repouso os delírios.
O meu amor deixa que a minha nuca desmaie sobre o côncavo das suas mãos de sal, essas mesmas mãos que me calam as barbaridades todas que digo sem saber e que me sacodem, frenéticas, a marmorea cintura.
O meu amor...

Irrepreensível interpretação esta!!! A ouvir vezes sem conta!!!

4.2.09


Nem sempre os casulos se impõem suaves sobre a fuga.
Nem sempre a fuga se faz para o verso coerente e maternal, nem sempre o maternal se mostra coerente.
Nem sempre o verso se apresenta ligeiro, delicado.
Por vezes o colo faz-se agressivo, inteiramente hirto, sobejamente acutilante...
Porque nem sempre o que se pede é consolo mas razão, daquelas razões cuspidas na fronte para que encaixe em todos os sentidos, outrora anestesiados, calões mesmo!!!

Que sangre a permanência e subsista o corte.
Que sangre, resinosa e lenta, sobre essas mãos, esfareladas de irracional.


Cinza...
Caminho em cinza. O caminho-cinza que precipita sobre o restante, ... isento de promessas mas ainda fértil.


Esgravatar o seio da terra...
Inteirar-me de que a mesma se mantém como sempre fora...
Ler-lhe a sina. Uma raiz uma linha.
Inventar-lhe hipóteses.
Inventar-me raiz, a abraçar a origem destemidamente, rasgar a pele do destino desesperadamente...
Inventar-me raiz e dançar no meu chão, criar calo de tanto me mover, romper a impossibilidade com movimentos velozes e labirínticos.
Inventar-me musgo, entranhar-me no húmido solo, e ser o meu repouso, o meu sono verde.
Inventar-me musgo de sombra e uivar ao vento, soprar-lhe todos os cinzentos gelados existentes.


O contorcido dos ramos... dedos angulosos... a estreitar distâncias entre vontade e posse.
Como em dança contemporânea ... a precisão do impreciso... a força do pouco premeditado... o punho do improviso.

Hoje alimentar-me-ia belíssimamente de um palco repleto dessa ausência, seres de ânimo a lançarem-se ao vazio, ...

Há dias assim, em que faz pleno sentido assistir a um espectáculo e encher a alma de imagens!